Eu lembro do cheiro primeiro. Aquele fedor de mofo velho, ar parado, poeira que gruda na garganta. Cada passo que eu dava ecoava como se a masmorra tivesse vazia há séculos, mas ao mesmo tempo… parecia que tinha algo preso ali comigo, respirando junto.
Quando ouvi o bater das asas, meu corpo gelou. Não era som de bicho normal, não. Era pesado, como se o ar fosse grosso demais pra ele atravessar. Senti antes de ver. A sombra dele se mexeu no canto do meu olho, e os olhos… aqueles olhos amarelados me acharam como se eu fosse a única coisa viva num cemitério inteiro.
Eu não consegui nem levantar a arma direito. Na hora que bati o olho nele, minha cabeça virou uma bagunça. Veio tudo ao mesmo tempo, minhas falhas, meus medos, coisas que eu nem lembrava. Vi meu pai me chamando de fracassado, vi meus amigos caídos com sangue na boca, vi eu mesmo correndo, tropeçando, como uma criança perdida. Era tudo falso, mas parecia mais real do que o chão que eu pisava.
Te juro, senti como se ele tivesse enfiado a mão dentro da minha mente e remexido tudo. Eu tentava respirar e parecia que o ar me recusava. O sussurro dele… não dava pra ouvir com os ouvidos, era dentro da minha cabeça, mexendo onde ninguém devia tocar.
Eu não lembro exatamente como escapei. Só sei que, do nada, meus pés começaram a correr sozinhos. Eu tropecei, bati no muro, caí de joelhos, mas continuei. Quando percebi, tava do lado de fora, vomitando, tremendo igual alguém que vê o próprio fantasma.
E até hoje, quando fecho os olhos, eu vejo os dele. Aquele amarelo que parece que te marca por dentro.
E o pior de tudo? Não parece que eu ganhei. Parece que ele me deixou sair.
Como se estivesse esperando a próxima vez.