JustPaste.it

i’m lucky i know but i wanna go home.

mom, i’m tired, can i sleep in your house tonight?
mom, is it alright if i stay for a year or two?

 

Na terceira chamada e ele ouve aquele barulhinho típico, do outro lado da linha, ouve o suspiro cansado do seu pai. Ouve o cochicho dele, rindo, e brigando com o telefone e, nos poucos segundos de discussão, porque ele não consegue apertar o “atender chamada” sem apertar todos os outros números, finalmente ouve a rouquidão que aquece o peito. Seu pai ainda sofre com o smartphone que deu de presente, mas sempre diz que se diverte com o joguinho que baixou da última vez que o viu. “É sobre uma fazenda, olha, tenho que colher os ovos”, Chaewon se lembra direitinho dos dedos enrugados do pai, com as unhas roídas, e sujas de terra, mas colhendo os ovos na tela tão maior. E as letras grandes “eu não enxergo direito, filho, você colocou letra miúda” e agora era tudo tão grande para uma tela tão extensa.

 

— Oi, filho? Você não está trabalhando? — seu sorriso não mente, mesmo que seu pai não veja, mas foi envergonhado, porque entre a febre, e o choro daquela manhã, esqueceu que mentiu sobre trabalhar como caixa na mercearia do bairro. — Aconteceu alguma coisa? — e seu suspiro só foi interrompido porque ouviu seu pai cochichando com o cachorro da fazenda. Dahye, o nome dele. A família tem mesmo uma coisa com nomes femininos em homens.

 

— Acordei doente, pai, gripado e com febre. Meu chefe me deixou faltar — e ele sustenta a mentirinha, é coisa boba, por aqueles minutos e tem sorte por seu pai não poder ver seu rosto, porque Chaewon está mesmo com a voz mais melancólica, com o nariz entupido, mas é, também, por ter chorado em meio a mais uma briga com Suhyun. — Te disse que ele é bonzinho — e sentado na beirinha do sofá, da própria sala, as lágrimas escorrem de novo, porque dói mentir para a única pessoa a quem deve explicações, mas seu pai jamais entenderia que Chaewon não é ninguém além do objeto de mais outro alguém. — Pai... Estava pensando. E se eu voltar? Posso te ajudar com a fazenda de novo, fazer dar certo. Você n- — no suspiro do seu pai, ele para. Imagina a testa enrugada do pai exalando preocupação. Um rosto sereno, vencido pelo tempo, enquanto olha para Chaewon com aquele ar de pai preocupado, desesperado e protetor. Sente na voz. 

 

— Você não gosta mais daí, filho? É o trabalho? — a voz rouca, e tão morna, o despedaça mais ainda. Ele precisa abafar o telefone para que o senhor Moon não ouça os seus solucinhos, daquele choro sofrido, de quem precisa não apenas do colo de pai, mas da mãe. E ele nunca mais viu sua mãe. Ela não voltou para casa. — Você não pensa mais em estudar? — bem lembra que prometeu se mudar para estudar, mas seu pai, um homem tão simples, esqueceu que Chaewon chegou a nem terminar a escola direito. Tem nem como ingressar em uma faculdade. — Você queria tanto um diploma, filho. Lembra? Disse que queria fazer agronomia, ajudar o pai. Não quer mais? 

 

E ele quer sumir para dentro dos braços do homem que cuidou de si a vida toda. Quer viver, naquele fim de mundo, com seu pai de novo. Não quer acordar, mais um dia, sabendo que jamais vai ver Suhyun de novo. Por falar em Suhyun.

 

— E seu amigo, filho? Por que você não conversa com ele? Você disse que ele é inteligente, que sabe das coisas, ele não pode te ajudar? — o coração de Chaewon aperta, destruído, deixando aquela dor no peito, mais uma vez. Seu pai adoeceu de coração partido, talvez fosse o seu destino também. 

 

— Nós brigamos, pai. A culpa é minha — não mente. Não dessa vez. — Eu errei com ele — é o que consegue dizer, porque finge um espirro, mas só porque ainda chora, copiosamente, como se tivesse sete anos, de novo, procurando pelo seu cobertor favorito, em uma madrugada fria, e não encontra nem sua mãe mais. 

 

( “No mais, que você nunca consiga preencher esse vazio. Eu também me dou o direito de ser egoísta, e, pra encontrar alguma mentira de conforto nessa vida, espero que você seja infeliz todos os dias. Que se sinta culpado.” )

 

— Meu filho, peça desculpas. Você é menino bom e ele parece ser tão bonzinho, peça desculpas. É seu amigo — a voz do seu pai beira à inocência que Chaewon tanto almeja ter mais uma vez. Quer aquela simplicidade de volta, que a vendessem no mercado, ele paga o preço necessário. Quer aquela esperança bonita. Quer acreditar na bondade que seu pai tanto tem fé.

 

— Eu posso voltar, pai? Vamos ser nós dois, de novo — e depois a mentira vira um oceano, uma enchente de lágrimas que seu pai não vê, mas acredita que é parte da gripe. Seu pai nunca soube ler Chaewon, era o trabalho de sua mãe.

 

— Não vou deixar você desistir do seu sonho, Chaewon, não pode. Converse com o seu amigo, filho, vocês vão se acertar. Você gosta tanto dele — e, com aquele suspiro cansado, consegue ouvir o sorriso do seu pai, bem sabendo que Dahye está em seu colo, já que ouve o sininho da coleira balançando. O tilintar deixa tanta saudade. — Eu sei que você vai resolver.

 

A ligação se estende por mais cinco minutos, sobre mandar dinheiro para a vizinha, já que ela fez a compra do mês, lá na fazenda. Sobre agradecer a farmacêutica por entregar os remédios de seu pai. Sobre as abelhas. Sempre sobre as abelhas. 

 

Quando a ligação se encerra, Chaewon ainda tem o choro entalado em sua garganta, é ardido, dolorido, mas tão merecido. Ele tem oito anos, agora, olhando pela janela da fazenda e assistindo sua mãe ir embora, mas, no lugar da figura feminina, assiste Suhyun se despedir.