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point of view (one) – holy despair,

trigger warning: menção ao uso de drogas, menção a sangue, menção a morte. 

 

Hunter tinha um talento inato para fazer merda. Sabia disso, e ainda que quisesse provocar alguma situação, por puro tédio, de longe seria algo que fosse sair de seu controle ou fosse prejudicá-lo de alguma forma. O problema é que sequer esperava que tudo, naquela noite, tomasse as proporções que vieram a ter, e logo descobriria as consequências. A sexta seguia não sendo a premiada; estava vivo, muito provavelmente, e com uma situação para contornar, de alguma forma.

 

Saiu cambaleando do Maserati que havia ganhado no último aniversário, era uma belíssima e potente máquina, e naquele momento parecia um amontoado retorcido, após entrar de frente a uma vitrine de uma joalheria, que disparou o alarme quase que instantaneamente. O barulho era irritante e muito provavelmente o local lotaria de pessoas nos próximos minutos, fossem curiosos ou a porra da polícia, e o segundo seria um saco de se livrar. Tinha prometido para a mãe que não se meteria em uma delegacia mais, e odiava a ver chorando. O resto? Foda-se. Aquele pensamento era o único que o fazia considerar se preocupar de alguma maneira. Talvez visse a cara de decepção e irritação do pai novamente. E aquilo o enchia de alegria, de uma forma até doentia. Todos se lembrariam que o filho do meio de Mongkoo se chamava Hunter. Uma ótima perspectiva para se pensar.

 

Não se lembrava de quantos minutos haviam se passado desde o choque, o cheiro de sangue com borracha queimada, e o ruído do alarme, para aquele instante em que as luzes piscavam de viaturas. Tinha muita gente em volta e a visão escureceu demais para que pudesse discernir alguma coisa. Pareceu uma fração de minuto quando os olhos foram abertos pelos dedos da mão enluvada de uma paramédica, colocando um feixe forte de uma lanterna em suas vistas, fazendo perguntas. “Pupilas dilatadas, vamos precisar mesmo de um exame toxicológico? Ele tá chapado.” E quando abriu os olhos novamente, estava em outro lugar. Logo foi coberto por uma avalanche de questionamentos, que passaram pelos seus ouvidos, quando foi deixado em companhia das pessoas de branco, e só conseguiu balançar a cabeça vagamente em resposta. Exames, radiografia, observação. Sequer entendeu alguma coisa durante todo o período que esteve dentro do hospital.

 

Não questionou o destino da viagem quando o colocaram no banco de trás de um veículo, deveria ser uma viatura. Se realmente tivesse pesadelos, talvez aquele momento pudesse ser como um, mas pior, ou nem tanto: dependia do ponto de vista. Tinha sangue nas mãos e esperava que fosse seu, aquele pensamento parecia ser o único no momento que o satisfazia. A cabeça girava e o ouvido ainda zumbia, como se o som do estilhaço de vidro, ou de qualquer outro material que fosse relacionado a um veículo, continuasse sendo reproduzido em um looping atemporal dentro da própria cabeça.

 

Várias pessoas o chamaram nos últimos quinze minutos, mas o seu nome dito por uma voz grave específica, o fez erguer minimamente o olhar e encarar a figura que era realmente mais alta que si, de uma forma até elegante, se não tivesse dentro de uma farda policial. Não que aquilo o tornasse menos atraente, mas no mínimo, menos elegante, pela ótica de uma perua fútil. Riu baixo assim que estabeleceu o contato visual. Que porra de pensamento estava tendo? Estava é fodido, muito provavelmente; estava dentro de uma saleta de uma delegacia, com um caralho de um policial o encarando havia alguns minutos. Já tinha visto aquele filme.

 

Ah, acho que te conheço. Encontrei a sua delegacia, policial? — Disse com deboche, antes de sentir uma pontada na cabeça, fechando os olhos com força. Os sentidos estavam bagunçados, e a visão turva, mas não sabia se era pelo corte no supercílio que não parava de sangrar, pela bebida, ou pelo tanto de cocaína que tinha cheirado antes. Sentia o corpo doer mais que a própria cabeça, esticando a postura antes de se sentar na única cadeira de frente a mesa, jogando o corpo pesado no assento. Limpou o sangue que escorria do corte com a palma da mão, passando no jeans da calça como se aquilo fosse a última coisa que o preocuparia no mundo. — Tá, o próximo passo é o que? Você fazer umas perguntas chatas pra caralho até decidir me prender porque eu bati um carro? — Disse ao erguer o rosto para encará-lo novamente, questionando com escárnio. Sequer tinha pensado em como sair daquela merda de situação.

 

Hunter ergueu uma das sobrancelhas sutilmente, com a resposta recebida. O que o policial iria querer ouvir, se já sabia de tudo? Riu, uma vez que os pensamentos pareciam fluir rápido em sua mente. E mais rápido que eles, apenas sua boca, verbalizando tudo.

 

Hmm, e chegou nessa concepção sem ajuda, policial? Sounds good. — Disse provocando, mordendo o lábio inchado somente para conter outro riso. Assim que os olhos perceberam a sacola com seus pertences, sentiu borboletas na boca do estômago, mas não por um bom motivo. A destra foi instintivamente ao peito, tateando e não sentindo o cordão de cruz de prata que sempre carregava consigo. Engoliu em seco, tentando fingir costume, mas a cada segundo que se passava, a situação piorava – para si mesmo. O sorriso sumiu rapidamente, antes de espalmar com força a mão sobre a mesa, ocasionando um ruído alto pelo choque.

 

Vou precisar disso daí... Não é meu e tenho que devolver. — Disse entre os dentes, baixo, se referindo ao colar de prata. — Não seria burro de provocar um acidente só pra te ver, tá carente...? — Questionou com ironia, revirando sutilmente os olhos antes de tornar a fitar a figura masculina diante de si. — Posso te dar atenção, já que você tá me mantendo aqui. Temos todo o tempo do mundo, go ahead. What do you have to offer me? — Questionou enquanto o fitava diretamente, sem mover o corpo um centímetro que fosse. Mas as mãos estavam ligeiramente trêmulas. Culparia a cocaína. — Não conheço os seus amigos. E daí?

 

Analisou quase que imediatamente o semblante do outro homem, deixando um riso escapar mais alto do que gostaria. Sabia que nem todos os agentes seguiam a lei à risca, mas Wooseok estava sendo vocal demais sobre aquilo, aparentemente. — Tá dizendo que se essa merda não for minha, vai plantar nas minhas coisas, agente... Nam Wooseok? Espero que esse interrogatório esteja sendo gravado. Ou seus parceiros apreciam seus métodos sujos...? — Leu o nome completo do policial em sua farda, aquela informação não seria tão especial naquele momento, mas era bastante curioso. Ter conhecimento sempre trouxe benefícios. Ia precisar juntar o máximo possível para se livrar daquilo.

 

Sentiu um calafrio quando ouviu o som da porta sendo trancada atrás de si, olhando para o teto branco da sala por um tempo considerável. Nenhum pensamento em específico se passava em sua mente, não seria miserável de implorar a Deus por misericórdia. Os dentes foram ao ínfero, arrastando-os com certa força ali, sentindo um pouco de dor ao pressionar o corte que já existia. Lambeu o sangue, distraindo-se com o gosto férreo, antes de sentir a cadeira onde estava sentado ser puxada pelo encosto. O ardor do lábio ferido pareceu sumir ao ter o homem agachado diante de si, os olhos desceram em sua direção, mais abaixo da linha de visão, naquele momento. Ele tinha mãos bonitas. E dedos longos pra cacete. Não deveria estar reparando naquilo, mas era atraente demais.

 

Que tal você me devolver isso? Já disse que não é meu e você finge que nunca viu esse caralho, ninguém vai perceber. — Pendeu o corpo para frente, ameaçando pegar o crucifixo pendurado entre as próprias pernas, quando apenas tocou-o. Encostou a testa na alheia, fitando-o nos olhos intensamente. Tinha as respirações tão próximas que poderia senti-las se misturando, mas a própria parecia trêmula demais. Muito provavelmente, se Wooseok o observasse com atenção, veria suas pupilas ainda dilatadas. — Você acha que eu sou iniciante nessa merda toda? Acha que eu não sei como é uma dessas clínicas de merda por dentro? Espero que essas pessoas continuem se fodendo e tendo uma vida medíocre, eu não me importo. Pode manter a preocupação pra você.


Disse em um tom grave e baixo, antes de se afastar, recostando-se na cadeira novamente, confortável. Respirou fundo, irritado com o afago que recebeu na cabeça em seguida, e girou a cadeira, apenas para acompanhar a figura de autoridade se afastar. As mãos apertaram as coxas com força, sentia o corpo estremecer e já não sabia se era pela raiva, pela droga, ou por qualquer outra coisa. — Que tal você ir se foder e me devolver a porra do colar? Posso te pagar 30 milhões como empréstimo, vai ser incrível fazer um dossiê sobre você e descobrir que magicamente foi preso após ter uma investigação socada dentro do seu rabo. Vou adorar reaver meu dinheiro depois. — Disse, esboçando um sutil sorriso de satisfação.