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point of view (two) — even jesus forgave,

trigger warning:  menção a morte e sangue; crise de pânico; depressão.

 

Deveria ser mais um sábado de confraternização, roupas sociais e martinis – chamado por muitos de evento beneficente; um motivo para rico dar alguma festa sem parecer fútil. Detestava aquele tipo de evento, fosse pelas pessoas que sorriam falsamente umas para as outras, ficar horas dentro de um blazer fazendo cara de paisagem, ou ouvindo as “amigas” socialites da sua mãe falarem de coisas inúteis. Não pôde contar com o irmão mais novo para estragar a festa aprontando algo que deixasse as pessoas desconfortáveis, e naquele dia em especial não estava muito motivado para fazer por si mesmo. A tela do celular parecia mais interessante.

 

Foi questão de minutos para que os risos se tornassem choros de desespero e gritos, e que a música fosse o som do vidro estilhaçando pelo calor intenso, ou os tremores da estrutura de alvenaria que se desmontava como papel, com o tempo. Sequer conseguiu observar de onde as chamas haviam começado a se espalhar, o apagão rendeu lâmpadas fracas de emergência e uma luminosidade laranja que crescia cada vez mais, lambendo toda a decoração que queimava, consumida em fogo rapidamente. A fumaça escura provavelmente era tóxica pela composição material que queimava, e sabia que inalar aquilo não seria bom. Foi quase imediata a sensação da garganta se fechar por respirar aquele ar denso por um ou dois minutos. 

 

Os gritos eram extremamente irritantes e estridentes, o choramingar e o desespero das pessoas correndo, pisoteando umas às outras desesperadas, o deixava tonto também. Tinha certa consciência de que estava ficando sufocado, o calor intenso, ainda que distante do próprio corpo, parecia que iria queimá-lo vivo. Mas não tinha forças pra sair sozinho; não conseguia distinguir em que parte do salão estava, e onde era a saída. Tinha ingerido um pouco de álcool apenas, já tinha os sentidos reduzidos pelo efeito depressor em seu sistema nervoso, mas certamente aquela fumaça havia contribuído para a piora rapidamente. Sentia o suor escorrer pela pele, e repentinamente, uma parte da estrutura desmoronou sobre sua cabeça; a dor forte fez com que perdesse os sentidos por milésimos de segundo, ficando extremamente tonto. Esforçou-se para manter os olhos abertos ou apagaria de vez, levando a mão diretamente à testa. Era seu próprio sangue escorrendo.

 

Tirou a mão do rosto quando sentiu outro corpo se chocar com o seu, na confusão. Era Inguk, completamente transtornado, passando a puxá-lo, arrastando-o para fora dali, falando algumas coisas que se embaralharam em sua mente. Entendeu apenas que deveria se abaixar, mas estava irritado demais para processar que ele queria apenas ajudar. — Me solta, Inguk, caralho. Tá maluco? Não preciso que você me tire daqui. — Gritou ríspido, irritado, fitando o mais alto; as mãos foram ao peito dele, empurrando-o para trás com a última força que tinha, perdendo o equilíbrio e dando um passo para trás em reflexo. — Me deixa em paz. Não preciso que me salve por pena, ou algo assim. Foda-se. Vai embora! — Olhou com raiva uma última vez, antes de virar as costas para o amigo. Apressou-se para sair de perto do coreano, quando conseguiu encontrar visualmente a sinalização da saída no letreiro luminoso, seguindo o fluxo de pessoas que pareciam estar saindo pelo caminho certo. Não chegou a olhar para trás em momento algum.

 

Estava completamente sozinho, como sempre quis. Ninguém havia olhado para trás, tentado voltar para saber se estava bem ou… Respirando. Nunca se importou com aquilo, mas pela primeira vez, se sentia extremamente sufocado, e não sabia se era pela fumaça inalada ou outra coisa. Sua garganta parecia estreita demais, como se algo tivesse entalado ali, e o peito pressionado por dois pés pesados, esmagando-o. Queria ter a sensação das costelas quebrando, mas aquilo parecia uma dor pior. Sentia que seu peito estava cheio e ia explodir. Não… Tinha a sensação de estar se afogando. Mas Inguk havia voltado, muito provavelmente não por si. Tinha sido um golpe de sorte, ou azar, encontrá-lo no meio do caminho. Mas não precisava que fizessem algo por obrigação. Não precisava ser salvo de nada. Talvez só precisava encontrar uma forma mais rápida de morrer. Que não tivesse que passar os últimos momentos questionando coisas como aquilo. Mas ficaria para a próxima.

 

Não conseguia lembrar o que pensava até então, quando os socorristas o receberam do lado de fora, checando sua pupila com uma luz irritantemente forte, ou merdas como sua pulsação e o que mais fosse. “Escoriações leves, mas ele sofreu uma concussão. Vamos ter que mandá-lo para o hospital e deixá-lo em observação até amanhã. Como você se chama?” Questionou a socorrista. Concordou com a cabeça e respondeu roboticamente as questões, como podia. Estava confuso, não conseguia ver algum rosto conhecido em volta. Provavelmente era melhor assim. Combinava mais consigo ser solitário, como haviam dito.