Quando o viajante voltou às minas, o ar ainda carregava o odor de cinzas antigas, como se o tempo não tivesse avançado desde a tragédia. A lamparina tremia enquanto ele descia pelos túneis, e cada passo reacendia lembranças de gritos, poeira e fogo. Era ali que tudo havia começadove onde precisava terminar.
No salão central, o calor se adensou, moldando a presença de Diablo. A figura encapuzada surgiu entre sombras e brasa, silenciosa, mas esmagadora. Os olhos, duas faíscas vivas, o atravessaram como se lessem todas as suas memórias.
O viajante não ergueu defesa. Em suas mãos, apenas um pequeno relicário contendo as últimas cinzas da vila e um fragmento do vestido de sua irmã. Com a voz embargada, disse que não retornava para vencer Diablo, e sim para impedir que o ciclo se repetisse.
As cinzas se elevaram num sopro suave, respondendo à presença do ser que as havia condenado. Diablo tocou o relicário; a chama mudou de vermelha para um dourado sereno, quase triste. O peso da maldição deslocou-se. O viajante sentiu o fogo se alojar dentro dele, não queimando, mas marcando.
Se aceita carregar o fardo, o fogo dormirá a voz ecoou na mente, mais sensação que som.
Ele aceitou. A presença de Diablo dissolveu-se como brasa ao vento, e as minas finalmente esfriaram após anos de tormento.
Algum tempo depois, antigos moradores retornaram devagar, reconstruindo suas casas com silêncio respeitoso. Não houve celebração, mas a paz voltou a respirar na vila.
O viajante nunca mais foi visto. Conta-se que segue as estradas, guardando a chama que não pode apagar não para destruí-lo, mas para manter o fogo longe de quem nada deve ao passado que ele escolheu carregar.